terça-feira, 18 de novembro de 2008

A Origem do Universo e Einstein


Poderia Deus fazer um Universo diferente?


Por Nuno Crato

SEGUNDO UM RELATO do matemático Ernst Straus, Einstein dizia que o que realmente lhe interessava era «se Deus poderia ter criado o Universo de maneira diferente; por outras palavras, se a necessidade de simplicidade lógica lhe teria deixado alguma liberdade». Sabe-se que Einstein não era crente. Dizia que acreditava num Deus um pouco à maneira de Spinoza; acreditava que a natureza era regida por uma lógica. Não falava de uma divindade específica no sentido religioso tradicional. Numa carta recentemente descoberta, escrita em Janeiro de 1954, um ano antes da sua morte, tinha sido ainda mais claro: referia-se à ideia de Deus como sendo «um produto da fraqueza humana».
A concepção de Einstein, de traços panteístas, é partilhada por muitos profissionais da ciência. O grande físico acreditava numa realidade externa que a observação, a experimentação e a razão podem progressivamente assimilar. Via lógica nessa realidade. Nas suas Notas Autobiográficas (1946), repetiu-o: «Lá fora há este mundo imenso, que existe independentemente de nós, seres humanos, e que se ergue perante nós como um grande e eterno mistério, parcialmente acessível à nossa inspecção e pensamento».
Adoptando uma visão quase platónica, a unidade lógica do mundo físico existiria externamente. Não seríamos nós que daríamos sentido ao Universo. O sentido do Universo estaria à espera de ser descoberto. Naturalmente, esse sentido não era arbitrário. As leis físicas não podiam ser outras.
Einstein ficaria contente se pudesse conhecer alguns trabalhos de natureza matemática que, nos últimos tempos, têm vindo a tentar desenvolver a teoria da relatividade sem recurso ao célebre postulado da constância da velocidade da luz. Como se sabe, experiências muito rigorosas feitas no fim do século XIX não conseguiram detectar a mudança de velocidade da luz quando o observador se afasta e se aproxima da fonte luminosa. Muitos físicos procuraram explicações ad hoc para este fenómeno surpreendente. Einstein teve a ideia de postular que a velocidade da luz no vazio era uma constante universal e daí tirou um conjunto de conclusões revolucionárias sobre o espaço e o tempo que ainda hoje fascinam cientistas e leigos. Mas há mesmo algo de especial na luz, ou a relatividade deriva de algo de muito profundo na estrutura do espaço e do tempo?
Mitchell J. Feigenbaum, um físico-matemático da Universidade Rockefeller em Nova Iorque, acaba de mostrar (http://arxiv.org/abs/0806.1234) que todas as conclusões de Einstein se podem deduzir de princípios mais simples.

Feigenbaum volta a Galileu e ao seu célebre exemplo do navio em movimento. Dizia o físico italiano que, num mar sem ondas e dentro de um navio em movimento uniforme, um observador olharia para o cais e julgaria estar parado, sendo o cais a mover-se. Uma vez fechado na cabina, tudo se passaria como se o navio estivesse parado. Não lhe seria possível distinguir o repouso do movimento uniforme.

Estendendo este princípio de relatividade de Galileu com recurso a conceitos puramente matemáticos e esquecendo por completo a velocidade da luz, Feigenbaum redescobriu as chamadas transformações de Lorentz, que estão no cerne da relatividade de Einstein. Não é necessário atribuir um papel especial à velocidade da luz. Talvez, afinal, Deus não tivesse podido construir o Universo de outra maneira.

-«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 15 de Novembro de 2008 - adapt.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A Evangelização da Sexualidade...

Muitas pessoas afastaram-se da Igreja e a Igreja afastou-se dos seres humanos. Ficou muito prejudicada com essa atitude

Público, 19.10.2008, Frei Bento Domingues

O ano só tem 365 dias. Ao consultar os calendários mundiais, internacionais, nacionais e regionais - cívicos, políticos, religiosos -, fica-se com a impressão de que há menos dias do que propostas de celebração de tudo e mais alguma coisa. O passado dia 16 foi o Dia Mundial da Alimentação. No dia 17, consagrado à erradicação da pobreza, realizou-se também o I Encontro Nacional de Actores Sociais. Logo a seguir, dia 18, tivemos o Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos e a Igreja Católica celebra, hoje, o Dia Mundial das Missões. Este domingo tem uma história.

Em 1922, Pio XI foi eleito Papa e marcou logo o dia de Pentecostes com um gesto insólito: interrompeu a homilia e, no meio de um impressionante silêncio, tirou o solidéu e fê-lo passar entre a multidão de bispos, padres e fiéis presentes na Basílica de S. Pedro, pedindo a todos ajuda para as missões. No Ano Santo de 1925, abriu, no Vaticano, uma exposição missionária mundial e publicou a encíclica Rerum Ecclesiae sobre as missões, mas o grande acontecimento foi a inesperada consagração dos seis primeiros bispos chineses. No ano seguinte, instituiu o Dia Mundial das Missões, a celebrar, em toda a Igreja, no penúltimo domingo de Outubro.
O Papa Bento XVI, na mensagem para este domingo, recorreu à notável exortação apostólica de Paulo VI, Evangelii Nuntiandi (1975), sobre a evangelização do mundo contemporâneo, sublinhando que "evangelizar constitui, de facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade".

Ninguém estranhará que a contemporaneidade deste Papa já não seja a de Paulo VI, embora se mantenha exacta a caracterização da missão da Igreja. O que surpreende é a fugacidade da noção de "mundo contemporâneo". Bento XVI assinou a mensagem para este domingo no dia 11 de Maio passado. Ora, a turbulência global das últimas semanas, provocada pela especulação financeira, deixou sem cobertura o contraponto que ele procurou destacar na conjuntura actual: "Vejamos mais de perto a situação do mundo de hoje. Se, por um lado, o panorama internacional apresenta perspectivas de um desenvolvimento económico e social promissor, por outro, chama a nossa atenção para algumas graves preocupações no que diz respeito ao próprio porvir do homem. Em muitos casos, a violência caracteriza os relacionamentos entre os indivíduos e os povos; a pobreza oprime milhões de habitantes; as discriminações e às vezes até as perseguições por motivos raciais, culturais e religiosos impelem numerosas pessoas a fugir dos seus países para procurar refúgio e salvaguarda noutras paragens. Quando não tem como finalidade a dignidade e o bem do homem, quando não tem em vista um desenvolvimento solidário, o progresso tecnológico perde a sua potencialidade de factor de esperança e, pelo contrário, corre o risco de agravar os desequilíbrios e as injustiças já existentes."

No Vaticano II, a Igreja Católica procurou os gestos, as palavras e as decisões que traduzissem o Evangelho de Jesus Cristo para o mundo contemporâneo. Alguns acusaram a sua visão de optimismo excessivo. Não me parece. É mais exacto dizer que foi a persistência do pessimismo acerca da sexualidade humana, retomado no pós-concílio, que mais dificultou a evangelização de mulheres e homens do nosso tempo.

Estamos a 40 anos da Humanae Vitae (1968), chamada, muitas vezes, a "encíclica da pílula". Este documento produziu um desconforto eclesial inapagável. Importa conhecer a sua génese, estudar as consequências que produziu e as resistências eclesiásticas à sua alteração. Miguel Oliveira da Silva, professor de Ética Médica na Universidade de Lisboa, acaba de publicar uma obra pioneira em Portugal que merece a maior atenção e debate (1).

Para o cardeal Carlo M. Martini (2), a Igreja deve trabalhar no desenvolvimento de uma nova cultura da sexualidade e da relação, pois esta encíclica é, em parte, responsável por muitos já não tomarem a sério a Igreja como interlocutora ou como mestra. Aos jovens dos países ocidentais, já quase não lhes passa pela cabeça recorrer a representantes da Igreja para os consultar sobre questões de planificação familiar ou de sexualidade. Muitas pessoas afastaram-se da Igreja e a Igreja afastou-se dos seres humanos. Ficou muito prejudicada com essa atitude.

Este cardeal deseja uma nova encíclica, na qual o magistério diga algo de positivo sobre a sexualidade. Ele próprio faz sugestões e aponta um método de diálogo para que, nesse documento, não sejam dadas respostas a perguntas que não existem.

No Dia das Missões, é importante ter presente a advertência de Jesus: não adianta percorrer mar e terra só para fazer prosélitos. É preciso, antes de mais, fazer da Igreja um lugar habitável para mulheres e homens, jovens e adultos, sejam eles hetero ou homossexuais. Toda a realidade humana é ambígua. A sexualidade também é terra de evangelização.

(1) A Sexualidade a Igreja e a Bioética. 40 Anos de Humanae Vitae, Lisboa, Caminho, 2008.
(2) Carlo M. Martini/Georg Sporschill, Coloquios nocturnos en Jerusalem, Madrid, San Pablo, 2008.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O AMOR É...


Sobre a crónica do frei Bento Domingues no Público de 19.10.2008 - A evangelização da Sexualidade...

(Áudio do programa)

226438_35061-0810230733.mp3

(Conversa com o Professor Júlio Machado Vaz)