quinta-feira, 3 de abril de 2008

O caminho... o (re)encontro, a alegria, a vida...

À PROCURA DA PALAVRA
Por P. Vítor Gonçalves

DOMINGO III DA PÁSCOA Ano A (6-Abril-2008)

Eles contaram o que tinha acontecido no caminho
e como O tinham reconhecido ao partir o pão.”
Lc 24, 35

Gestos que dão vida

Não é verdade que tudo aquilo que fazemos ou vemos outros fazer fica mais gravado em nós do que muitos discursos? Todo o educador conhece a importância da linguagem não verbal, dos gestos e posições do corpo, de ensinar fazendo com quem aprende, de semear gestos significativos. Não são as ideias ou teorias elaboradas que convencem ninguém mas sentir que é vida acontecida ou a acontecer em quem comunica. Não ficamos logo fartos de quem fala como 'Frei Tomás', de quem se repete: 'faz o que ele diz e não o que ele faz'? Entristece a sua ignorância da realidade, a sua distância de quem o escuta (por pouco tempo!), o seu legalismo de dizer coisas certas que nem ele próprio segue. Não quer caminhar connosco nem pôr as mãos na massa para fazermos juntos aquilo que diz saber como é, mas nunca fez!

Sinto-me a andar para a frente e para trás neste caminho de Emaús, despojando-me das ideias de poder e vitória, exultando com Jesus a fazer tudo novo. Sou o discípulo sem nome que acompanha Cleofas e revejo estas dúvidas que as muitas paixões, e cruzes, e mortes, deixam em mim e à minha volta. E volto as escutar as palavras do desconhecido como fogo a reavivar as brasas, porque não basta ouvir uma vez o que enche a vida de sentido. Sento-me como pobre de sonhos e projectos à mesa onde agora Ele me pôs a partir o pão, e vejo-me ali partido, aprendendo (devagarinho) a dar-me cada vez mais como Ele. Vou entendendo que este fazer é Deus a fazer-me (e a estes que se sentam comigo) alimento para quem tem fome d'Ele. Descubro que tudo o que é feito com amor leva sempre um pouco (ou muito) de quem o faz. E caminhamos, ainda que trémulos, na noite cheia de luz, para dar notícia deste encontro!

As palavras estão grávidas de gestos. Pronunciem-se discursos, escrevam-se leis, compilem-se doutrinas, condenem-se infractores, mas se todas essas palavras não servirem a humanidade para criar mais vida, mais verdade, mais justiça, e mais amor, o seu destino será o pó e o esquecimento. Jesus não vence destruindo quem se lhe opõe; vence pela abundância de amar. Não reclama poder temporal; oferece serviço de libertação. Não é meigo com a hipocrisia; convida à verdade. Não se gasta em palavras; aceita o gesto máximo do aniquilamento. E é da morte que nos ensina a ressuscitar! Ensinando-nos a morrer, no caminho e na mesa, porque é aí que as palavras geram vida!

sexta-feira, 21 de março de 2008

O princípio sem fim

Ainda que as trevas proclamem vitória,
o grande segredo da noite
é estar grávida do amanhecer.

Ainda que o poder exerça o domínio,
o humilde segredo das sementes
é conterem o futuro.

Ainda que a injustiça se espalhe,
o surpreendente segredo da verdade
é quem a ama e por ela dá a vida.

Ainda que a violência esmague,
o sublime segredo da farinha
é tornar possível o pão.

Ainda que os amigos vacilem,
o firme segredo do amor
é fazer do perdão uma porta aberta.

Ainda que as lágrimas irrompam,
o sereno segredo da paz
é dar horizontes ao coração.

Ainda que as prisões desesperem,
o subtil segredo da liberdade
é quebrar todas as pedras de sepulcro.

Ainda que o fim se imponha
o feliz segredo de Jesus
é dar-nos eternidade.

Jesus Ressuscitado,
revelas o meu ser verdadeiro,
mistério total só
no abraço do Pai,
mas cheio desta certeza
de ser amado
porque me amas até ao fim.

Em Ti,
sou amanhecer
para abraçar e partilhar o que é belo;
sou semente
para morrer e dar vida em meus gestos;
aspiro à verdade
para que a vontade do Pai aconteça;
sou farinha
para que ninguém morra de fome;
quero amar
para que tudo seja milagre;
escolho a paz
para que os abraços vençam as armas;
luto pela liberdade
para que todos tenham luz;
e sigo-Te
para multiplicar os princípios
que a tua Páscoa
inaugurou no tempo!

Vitor Gonçalves

quarta-feira, 12 de março de 2008

DOMINGO DE RAMOS – 16/Mar/08

À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves

“Tiraram-Lhe a roupa
e envolveram-no num manto vermelho.”


Mt 27, 28


Viver no risco

Nunca ninguém nos disse que a vida era fácil. E ainda que a desejássemos não tão difícil como por vezes se nos apresenta, já descobrimos e desenvolvemos capacidades e dons que nunca seriam conhecidos se não precisássemos enfrentar ou ultrapassar um obstáculo. Vivemos a tensão entre a segurança e o risco, entre o conhecido e o desconhecido, entre o "já" e o "ainda não". Por isso, "demasiadas protecções", "vontades feitas imediatamente", "prémios sem conquistas", "muitos sim e poucos não", "dádivas sem responsabilidade", impedem um crescimento plenamente humano. A facilidade de hoje não gera coragem para o risco de amanhã!

A Quaresma tem-nos conduzido para a densidade dramática da Paixão e da Páscoa. Reduzem-se as palavras de Jesus e ganham força os gestos significativos: a ceia, a prisão, os interrogatórios, a condenação, a cruz levada aos ombros e nela crucificado. Creio que a consciência da sua paixão nasce do risco assumido em toda a sua vida: risco de amar o que antes era excluído, de perdoar o que já estava condenado, de salvar o que estava perdido, de alimentar o que a fome dominava, de dar vida aos que já se sentiam mortos. Risco de falar a Deus como Pai e assumir-se Filho, quando os intermediários tinham estatuto próprio, contrato de funcionários e gostavam de mostrar a superioridade em relação ao povo: eram sacerdotes e reis, e profetas (embora a maioria destes não se prendesse a uma instituição identificando-se com os mais pobres). Jesus não aponta seguranças ou privilégios aos discípulos, antes os educa nesta capacidade de enfrentar riscos pela grandeza de uma Boa Nova que renova a vida dos homens. Riscos que valem a pena, não por uma recompensa ou fama imediata, mas porque engrandecem quem os corre, e alargam os limites de uma humanidade tão "escravizada" pelas seguranças.

Como responder à violência que sentimos crescer neste nosso tempo? Como passar da paixão à Páscoa, sem risco? Fechando-nos ainda mais nas seguranças possíveis? Cada um por si, procurando um "castelo" que ninguém penetre? Assim não se vive, morre-se! É preciso correr riscos de proximidade, de valorizar laços e relações, de substituir a "baby-sitter" electrónica da televisão e dos jogos por tempo vivido em comum com actividades criativas, de criar trabalho que realize as pessoas, de educar para um consumo equilibrado que não escravize, de amar mais até ao fim. Parece impossível, não é? Ou dá jeito que pareça porque o difícil mesmo é viver no risco?

terça-feira, 11 de março de 2008