sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Quaresma II

À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves

DOMINGO II DA QUARESMA Ano A - 17-02-2008


“O Senhor disse a Abraão: Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar.”

Gen 12, 1


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Há algumas pessoas que nascem com "bicho-carpinteiro" ou leveza de borboleta que nunca "aquecem" o lugar, outras vivem presas a teias do passado endurecidas como as pedras de um cais sem coragem para zarpar. Entre umas e outras estão aquelas que ousam responder ao apelo do futuro e, como Abraão, confiar numa voz que chama mais além. Ponho-me a imaginar: a quantos fez Deus o mesmo apelo que Abraão escutou? Como amadureceu nele esta capacidade de ouvir e a coragem de trocar a certeza pela promessa, o seguro pelo risco? Como foi capaz de vencer as inúmeras vozes, dentro e fora de si, que aconselhavam a prudência e a estabilidade da vida que levava? Já tinha idade para ter juízo! Sim, mas falou mais forte o desejo de, com Sara e a descendência prometida, passar da solidão à comunhão, do "eu" ao "nós", fazer uma casa com o seu nome, ser bênção como Deus lhe prometia.

A novidade não está em Abraão partir (quantos povos sempre se movimentaram por razões de sobrevivência, ainda hoje com tantos dramas de fome e de guerra?): está na confiança naquele que o chama. Mais importante que o longo caminho ou a meta a alcançar, o que é nova é esta descoberta de Deus que caminha entre os homens. E imprime no coração e na vida dos que aprenderam a escutá-l'O esta disponibilidade constante para partir. Todas as tentativas de fazer coincidir a Aliança e o Reino de Deus com construções históricas acabadas revelaram-se desilusões, mas o caminho de Deus com os homens é para realizar, já na história, a justiça, a paz e o amor que o próprio Deus é. Então, saber com quem se vai é mais importante do que qualquer mapa!

Num espantoso conto de Sophia de Mello Breyner Andresen, intitulado "A Viagem", um casal perde-se e procura o caminho certo, percebendo que não pode voltar de novo às encruzilhadas onde escolhera um dos caminhos. É uma viagem "parábola" da nossa vida em que procuramos, tantas vezes, agarrar o que já passou. No final do conto, quando percebe que tudo vai perder, a mulher já sozinha diz: "Do outro lado do abismo está com certeza alguém. / E começou a chamar." Não se pode partir sem aprender a perder.

Com Abraão e no Monte Tabor é Deus quem tem a iniciativa em falar. Aos discípulos convida a deixar Moisés e Elias desaparecerem para que escutem o seu Filho. Estamos disponíveis para partir com Jesus?

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