quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Quaresma I

À PROCURA DA PALAVRA
Por P. Vítor Gonçalves

DOMINGO I DA QUARESMA Ano A – 10.2.2008


“Jesus foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto.”
Mt 4, 1


O deserto e a fonte

O deserto não é lugar para os homens habitarem. É lugar de passagem porque nenhuma terra prometida se alcança sem provação, lugar de despojamento porque o acessório fica pelo caminho, lugar de encontro porque na mais profunda nudez redescobrimos quem Deus é e quem somos nós. Há desertos de doença e dor, desertos interiores distantes do olhar, desertos que antecedem uma escolha e um futuro, desertos que teimam em prolongar o que já passou. Não foi para viver no deserto que Deus criou o homem mas não lhe ocultou a sua existência nem nunca o abandonou nele.

O povo bíblico é um grande especialista de deserto. No deserto que é a vida de Abraão e Sara, Deus faz brotar uma descendência incontável; na relação de medo e distância com os deuses, Deus propõe uma aliança de amor; na secura da infidelidade Deus oferece a frescura da sua misericórdia; na aridez da orfandade e do fratricídio Deus vem fazer comunhão dando-se plenamente no Filho. Nos muitos desertos que Israel viveu foi aprendendo que até ele pode ser lugar de intimidade, como é dito ao profeta Oseias quando compara o povo a uma donzela: “É assim que a vou seduzir: ao deserto a conduzirei, para lhe falar ao coração” (Os 2, 16). O deserto não é para se amar mas pode nele descobrir-se o amor, como uma fonte que ali estava escondida.

Há um convite ao essencial em cada início de quaresma quando acompanhamos Jesus ao deserto. Ele é a fonte que vem mergulhar no nosso deserto. Revemos nas suas as nossas escolhas em que criamos desertos tão áridos e difíceis de vencer: o deserto do poder que seca toda a alegria de servir e de amar, o deserto de parecer que atrofia toda a alegria da verdade e da comunhão, o deserto de ter que esmaga toda a alegria de partilhar e de salvar. Quem escolhe um destes desertos acaba por multiplicá-lo à sua volta e recusa a fonte que pode saciar a sua sede. Porque em todo o deserto humano está a fonte que é Jesus.

Por isso o deserto é um lugar de escolhas e bem diz o escritor francês Eric-Emmanuel Schmitt: “Um homem é feito de escolhas e circunstâncias. Ninguém tem poder sobre as circunstâncias, mas cada um tem-no sobre as suas escolhas”. O deserto não é uma escolha; o que fazemos dele e o que fazemos nele, sim! Não é o deserto a conversão mas a descoberta da fonte! Tornámos a Igreja deserto ou podemos nela encontrar a fonte? Multiplicamos os desertos para quem morre de sede ou mergulhamos no deserto de tantas vidas para ajudarmos a encontrar a fonte? Ah, Senhor, que não te cansas de ser fonte a jorrar no coração de cada homem e mulher!

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