quarta-feira, 5 de março de 2008

Quaresma V

À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves

DOMINGO V DA QUARESMA Ano A (9/Mar/08)

“Lázaro, sai para fora.”

Jo 11, 43

Como se fosse a primeira vez

Sempre que escuto o relato de Lázaro pergunto-me como terá sido a sua vida depois de sair do túmulo. Mais do que a filha de Jairo ou o filho da viúva de Naim, Lázaro regressa do silêncio da morte pela palavra de Jesus e retoma a sua vida. Com que olhos revê o que tinha perdido, com que gestos e palavras e sentimentos experimenta viver de novo? Com o sabor da "primeira vez" como descreve Óscar, o rapazinho de onze anos que escreve cartas a Deus nos últimos 12 dias da sua vida, nesse "pequeno-grande" livro de Eric-Emmanuel Schmitt com o título "Óscar e a senhora-cor-de-rosa"? Aí partilha connosco o segredo que Deus lhe conta: "Olha para o mundo cada dia como se fosse pela primeira vez"!

A Vovó-Rosa é uma voluntária do hospital onde Óscar está internado com uma doença terminal e que o envolve numa forte rede de afectos. Acolhendo as suas questões, enfrentando com ele a vida e a morte, convida-o a escrever cartas a Deus e a viver cada dia como se valesse dez anos. É um relato cheio de ternura e de coragem em acolher as questões do sofrimento e da morte, e ajudar-nos a descobrir como comos capazes de colocar mais vida em todas as situações. A doença e a morte não são derrotas, e é possível vivê-las com confiança como diz a Vóvó Rosa: "É preciso distinguir dois penares, Óscar querido, o sofrimento físico e o sofrimento moral. O sofrimento físico temos de o suportar. O sofrimento moral escolhêmo-lo." É a diferença entre "morrer antes do tempo" pelo medo da morte, e "viver a vida em pleno" pela confiança na vida!

Depois da samaritana e do cego, Jesus volta a não ficar indiferente aos limites humanos. Não pactua com as derrotas nem cede à tentação do "não há nada a fazer"; da decomposição extrai vida, e manda retirar de Lázaro as ligaduras de defunto. São muitos os sepulcros onde nos fechamos, ou outros nos fecham, mas de todos eles nos quer fazer sair Jesus. Sempre a trazer-nos à vida, como se fosse a primeira vez, porque é aí o lugar próprio dos homens e mulheres criados por Deus. Sempre a encher o "hoje" de esperança e confiança, de oportunidades para o amor e a reconciliação, para a dádiva e a festa. E há dias que valem anos de tão cheios os vivermos! Há eternidade nos instantes em que Jesus nos grita: "Sai para fora!" Como Marta e Maria acreditamos que "quem vive e acredita" em Jesus não morrerá? Podemos pôr à cabeceira o letreiro que o Óscar tinha: "Só Deus está autorizado a acordar-me." E Ele acorda-nos!

Sugestão: Vejo no jornal que o Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, tem em cena na Sala Estúdio a adaptação desta obra com a actriz Lídia Franco. Tenho esperança de ainda a ir ver.

domingo, 2 de março de 2008

Ainda sobre a Quaresma

Jean-Dominique Bauby, director da revista francesa "Elle", aos 42 anos, foi vítima de um "locked-in-syndrome", uma doença rara que o deixou lúcido intelectualmente, mas paralisado por completo.


Trailer - Le scaphandre et le papillon

(adaptação cinematográfica do livro com o mesmo nome de Jean-Dominique Bauby)


sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Quaresma IV

À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves

DOMINGO IV DA QUARESMA Ano A – 2-Mar-2008

“O que sei é que eu era cego
e agora vejo.”

Jo 9, 25

Um piscar de olhos

Quantas vezes aprendemos a valorizar o que tínhamos, precisamente quando acabámos de o perder! Não será esse o caso do cego de nascença a quem Jesus dá a vista, mas foi o de Jean-Dominique Bauby, director da revista francesa "Elle" que, aos 42 anos, foi vítima de um "locked-in-syndrome", uma doença rara que o deixou lúcido intelectualmente, mas paralisado por completo. Apenas conseguia comunicar com o piscar do olho esquerdo: um piscar para "dizer" sim, dois para "dizer" não. Assim escreveu o livro "O escafandro e a borboleta" que acabei de ver magnificamente adaptado ao cinema.

Daquela prisão, que compara a um escafandro onde os pensamentos são tão dificilmente partilhados, envia-nos pequenos postais esvoaçantes como borboletas, que nos falam do amor à vida e da descoberta das inúmeras pequenas coisas que enchem de luz a nossa vida. Não são felizes os momentos religiosos que o filme documenta, muito centrados no desejo imediato de uma cura, mergulhando pouco na espantosa vivencia de Jean-Dominique. É aí que vai acontecendo o milagre invisível e pouco perceptível a quem anda com demasiada pressa. Milagre esse bem filmado quando somos os olhos de Jean-Dominique e somos convidados a entrar nos seus próprios pensamentos. Não voltou a recuperar o movimento, mas com a imaginação e a memória percorreu distâncias imensas e deixou com o seu piscar do olho esquerdo uma interpelação forte à fragilidade e grandeza das nossas vidas.

Fiquei preso àquele piscar de olho. Sinal de cumplicidade mas também única forma de comunicação de uma alma que se descobre maior do que pensava. Como a borboleta que gasta todas as forças para romper a crisálida, tantas vezes somos chamados a essa transformação. Não é fácil passar da cegueira à visão; quantas responsabilidades acrescidas, quantas escolhas novas a fazer! Não é fácil passar de uma vida (e de uma fé) utilitária ao gosto de ajudar outros a ver (até Platão o contou na sublime alegoria da caverna!) A descoberta de Jesus que o cego vai fazendo encontra a oposição dos legalistas que não se maravilham com a sua transformação. Basta-lhes a linguagem do castigo, a lei que prende na culpa e no medo quem tem sede de um Deus que salva. Por isso permanecem na cegueira e, em terra de cegos, ai de quem diz ver! Não lhe terá também Jesus "piscado o olho"? E não nos fala Deus também por um piscar de olhos?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Quaresma II

À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves

DOMINGO II DA QUARESMA Ano A - 17-02-2008


“O Senhor disse a Abraão: Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar.”

Gen 12, 1


Partir

Há algumas pessoas que nascem com "bicho-carpinteiro" ou leveza de borboleta que nunca "aquecem" o lugar, outras vivem presas a teias do passado endurecidas como as pedras de um cais sem coragem para zarpar. Entre umas e outras estão aquelas que ousam responder ao apelo do futuro e, como Abraão, confiar numa voz que chama mais além. Ponho-me a imaginar: a quantos fez Deus o mesmo apelo que Abraão escutou? Como amadureceu nele esta capacidade de ouvir e a coragem de trocar a certeza pela promessa, o seguro pelo risco? Como foi capaz de vencer as inúmeras vozes, dentro e fora de si, que aconselhavam a prudência e a estabilidade da vida que levava? Já tinha idade para ter juízo! Sim, mas falou mais forte o desejo de, com Sara e a descendência prometida, passar da solidão à comunhão, do "eu" ao "nós", fazer uma casa com o seu nome, ser bênção como Deus lhe prometia.

A novidade não está em Abraão partir (quantos povos sempre se movimentaram por razões de sobrevivência, ainda hoje com tantos dramas de fome e de guerra?): está na confiança naquele que o chama. Mais importante que o longo caminho ou a meta a alcançar, o que é nova é esta descoberta de Deus que caminha entre os homens. E imprime no coração e na vida dos que aprenderam a escutá-l'O esta disponibilidade constante para partir. Todas as tentativas de fazer coincidir a Aliança e o Reino de Deus com construções históricas acabadas revelaram-se desilusões, mas o caminho de Deus com os homens é para realizar, já na história, a justiça, a paz e o amor que o próprio Deus é. Então, saber com quem se vai é mais importante do que qualquer mapa!

Num espantoso conto de Sophia de Mello Breyner Andresen, intitulado "A Viagem", um casal perde-se e procura o caminho certo, percebendo que não pode voltar de novo às encruzilhadas onde escolhera um dos caminhos. É uma viagem "parábola" da nossa vida em que procuramos, tantas vezes, agarrar o que já passou. No final do conto, quando percebe que tudo vai perder, a mulher já sozinha diz: "Do outro lado do abismo está com certeza alguém. / E começou a chamar." Não se pode partir sem aprender a perder.

Com Abraão e no Monte Tabor é Deus quem tem a iniciativa em falar. Aos discípulos convida a deixar Moisés e Elias desaparecerem para que escutem o seu Filho. Estamos disponíveis para partir com Jesus?

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

AMOR À MODA ANTIGA



PUBLICO.PT (clique para ler e saber como eram as declarações de amor à moda antiga e outras tradições)