sexta-feira, 21 de março de 2008

O princípio sem fim

Ainda que as trevas proclamem vitória,
o grande segredo da noite
é estar grávida do amanhecer.

Ainda que o poder exerça o domínio,
o humilde segredo das sementes
é conterem o futuro.

Ainda que a injustiça se espalhe,
o surpreendente segredo da verdade
é quem a ama e por ela dá a vida.

Ainda que a violência esmague,
o sublime segredo da farinha
é tornar possível o pão.

Ainda que os amigos vacilem,
o firme segredo do amor
é fazer do perdão uma porta aberta.

Ainda que as lágrimas irrompam,
o sereno segredo da paz
é dar horizontes ao coração.

Ainda que as prisões desesperem,
o subtil segredo da liberdade
é quebrar todas as pedras de sepulcro.

Ainda que o fim se imponha
o feliz segredo de Jesus
é dar-nos eternidade.

Jesus Ressuscitado,
revelas o meu ser verdadeiro,
mistério total só
no abraço do Pai,
mas cheio desta certeza
de ser amado
porque me amas até ao fim.

Em Ti,
sou amanhecer
para abraçar e partilhar o que é belo;
sou semente
para morrer e dar vida em meus gestos;
aspiro à verdade
para que a vontade do Pai aconteça;
sou farinha
para que ninguém morra de fome;
quero amar
para que tudo seja milagre;
escolho a paz
para que os abraços vençam as armas;
luto pela liberdade
para que todos tenham luz;
e sigo-Te
para multiplicar os princípios
que a tua Páscoa
inaugurou no tempo!

Vitor Gonçalves

quarta-feira, 12 de março de 2008

DOMINGO DE RAMOS – 16/Mar/08

À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves

“Tiraram-Lhe a roupa
e envolveram-no num manto vermelho.”


Mt 27, 28


Viver no risco

Nunca ninguém nos disse que a vida era fácil. E ainda que a desejássemos não tão difícil como por vezes se nos apresenta, já descobrimos e desenvolvemos capacidades e dons que nunca seriam conhecidos se não precisássemos enfrentar ou ultrapassar um obstáculo. Vivemos a tensão entre a segurança e o risco, entre o conhecido e o desconhecido, entre o "já" e o "ainda não". Por isso, "demasiadas protecções", "vontades feitas imediatamente", "prémios sem conquistas", "muitos sim e poucos não", "dádivas sem responsabilidade", impedem um crescimento plenamente humano. A facilidade de hoje não gera coragem para o risco de amanhã!

A Quaresma tem-nos conduzido para a densidade dramática da Paixão e da Páscoa. Reduzem-se as palavras de Jesus e ganham força os gestos significativos: a ceia, a prisão, os interrogatórios, a condenação, a cruz levada aos ombros e nela crucificado. Creio que a consciência da sua paixão nasce do risco assumido em toda a sua vida: risco de amar o que antes era excluído, de perdoar o que já estava condenado, de salvar o que estava perdido, de alimentar o que a fome dominava, de dar vida aos que já se sentiam mortos. Risco de falar a Deus como Pai e assumir-se Filho, quando os intermediários tinham estatuto próprio, contrato de funcionários e gostavam de mostrar a superioridade em relação ao povo: eram sacerdotes e reis, e profetas (embora a maioria destes não se prendesse a uma instituição identificando-se com os mais pobres). Jesus não aponta seguranças ou privilégios aos discípulos, antes os educa nesta capacidade de enfrentar riscos pela grandeza de uma Boa Nova que renova a vida dos homens. Riscos que valem a pena, não por uma recompensa ou fama imediata, mas porque engrandecem quem os corre, e alargam os limites de uma humanidade tão "escravizada" pelas seguranças.

Como responder à violência que sentimos crescer neste nosso tempo? Como passar da paixão à Páscoa, sem risco? Fechando-nos ainda mais nas seguranças possíveis? Cada um por si, procurando um "castelo" que ninguém penetre? Assim não se vive, morre-se! É preciso correr riscos de proximidade, de valorizar laços e relações, de substituir a "baby-sitter" electrónica da televisão e dos jogos por tempo vivido em comum com actividades criativas, de criar trabalho que realize as pessoas, de educar para um consumo equilibrado que não escravize, de amar mais até ao fim. Parece impossível, não é? Ou dá jeito que pareça porque o difícil mesmo é viver no risco?

terça-feira, 11 de março de 2008

quarta-feira, 5 de março de 2008

Quaresma V

À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves

DOMINGO V DA QUARESMA Ano A (9/Mar/08)

“Lázaro, sai para fora.”

Jo 11, 43

Como se fosse a primeira vez

Sempre que escuto o relato de Lázaro pergunto-me como terá sido a sua vida depois de sair do túmulo. Mais do que a filha de Jairo ou o filho da viúva de Naim, Lázaro regressa do silêncio da morte pela palavra de Jesus e retoma a sua vida. Com que olhos revê o que tinha perdido, com que gestos e palavras e sentimentos experimenta viver de novo? Com o sabor da "primeira vez" como descreve Óscar, o rapazinho de onze anos que escreve cartas a Deus nos últimos 12 dias da sua vida, nesse "pequeno-grande" livro de Eric-Emmanuel Schmitt com o título "Óscar e a senhora-cor-de-rosa"? Aí partilha connosco o segredo que Deus lhe conta: "Olha para o mundo cada dia como se fosse pela primeira vez"!

A Vovó-Rosa é uma voluntária do hospital onde Óscar está internado com uma doença terminal e que o envolve numa forte rede de afectos. Acolhendo as suas questões, enfrentando com ele a vida e a morte, convida-o a escrever cartas a Deus e a viver cada dia como se valesse dez anos. É um relato cheio de ternura e de coragem em acolher as questões do sofrimento e da morte, e ajudar-nos a descobrir como comos capazes de colocar mais vida em todas as situações. A doença e a morte não são derrotas, e é possível vivê-las com confiança como diz a Vóvó Rosa: "É preciso distinguir dois penares, Óscar querido, o sofrimento físico e o sofrimento moral. O sofrimento físico temos de o suportar. O sofrimento moral escolhêmo-lo." É a diferença entre "morrer antes do tempo" pelo medo da morte, e "viver a vida em pleno" pela confiança na vida!

Depois da samaritana e do cego, Jesus volta a não ficar indiferente aos limites humanos. Não pactua com as derrotas nem cede à tentação do "não há nada a fazer"; da decomposição extrai vida, e manda retirar de Lázaro as ligaduras de defunto. São muitos os sepulcros onde nos fechamos, ou outros nos fecham, mas de todos eles nos quer fazer sair Jesus. Sempre a trazer-nos à vida, como se fosse a primeira vez, porque é aí o lugar próprio dos homens e mulheres criados por Deus. Sempre a encher o "hoje" de esperança e confiança, de oportunidades para o amor e a reconciliação, para a dádiva e a festa. E há dias que valem anos de tão cheios os vivermos! Há eternidade nos instantes em que Jesus nos grita: "Sai para fora!" Como Marta e Maria acreditamos que "quem vive e acredita" em Jesus não morrerá? Podemos pôr à cabeceira o letreiro que o Óscar tinha: "Só Deus está autorizado a acordar-me." E Ele acorda-nos!

Sugestão: Vejo no jornal que o Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, tem em cena na Sala Estúdio a adaptação desta obra com a actriz Lídia Franco. Tenho esperança de ainda a ir ver.

domingo, 2 de março de 2008

Ainda sobre a Quaresma

Jean-Dominique Bauby, director da revista francesa "Elle", aos 42 anos, foi vítima de um "locked-in-syndrome", uma doença rara que o deixou lúcido intelectualmente, mas paralisado por completo.


Trailer - Le scaphandre et le papillon

(adaptação cinematográfica do livro com o mesmo nome de Jean-Dominique Bauby)