sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Quaresma IV

À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves

DOMINGO IV DA QUARESMA Ano A – 2-Mar-2008

“O que sei é que eu era cego
e agora vejo.”

Jo 9, 25

Um piscar de olhos

Quantas vezes aprendemos a valorizar o que tínhamos, precisamente quando acabámos de o perder! Não será esse o caso do cego de nascença a quem Jesus dá a vista, mas foi o de Jean-Dominique Bauby, director da revista francesa "Elle" que, aos 42 anos, foi vítima de um "locked-in-syndrome", uma doença rara que o deixou lúcido intelectualmente, mas paralisado por completo. Apenas conseguia comunicar com o piscar do olho esquerdo: um piscar para "dizer" sim, dois para "dizer" não. Assim escreveu o livro "O escafandro e a borboleta" que acabei de ver magnificamente adaptado ao cinema.

Daquela prisão, que compara a um escafandro onde os pensamentos são tão dificilmente partilhados, envia-nos pequenos postais esvoaçantes como borboletas, que nos falam do amor à vida e da descoberta das inúmeras pequenas coisas que enchem de luz a nossa vida. Não são felizes os momentos religiosos que o filme documenta, muito centrados no desejo imediato de uma cura, mergulhando pouco na espantosa vivencia de Jean-Dominique. É aí que vai acontecendo o milagre invisível e pouco perceptível a quem anda com demasiada pressa. Milagre esse bem filmado quando somos os olhos de Jean-Dominique e somos convidados a entrar nos seus próprios pensamentos. Não voltou a recuperar o movimento, mas com a imaginação e a memória percorreu distâncias imensas e deixou com o seu piscar do olho esquerdo uma interpelação forte à fragilidade e grandeza das nossas vidas.

Fiquei preso àquele piscar de olho. Sinal de cumplicidade mas também única forma de comunicação de uma alma que se descobre maior do que pensava. Como a borboleta que gasta todas as forças para romper a crisálida, tantas vezes somos chamados a essa transformação. Não é fácil passar da cegueira à visão; quantas responsabilidades acrescidas, quantas escolhas novas a fazer! Não é fácil passar de uma vida (e de uma fé) utilitária ao gosto de ajudar outros a ver (até Platão o contou na sublime alegoria da caverna!) A descoberta de Jesus que o cego vai fazendo encontra a oposição dos legalistas que não se maravilham com a sua transformação. Basta-lhes a linguagem do castigo, a lei que prende na culpa e no medo quem tem sede de um Deus que salva. Por isso permanecem na cegueira e, em terra de cegos, ai de quem diz ver! Não lhe terá também Jesus "piscado o olho"? E não nos fala Deus também por um piscar de olhos?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Quaresma II

À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves

DOMINGO II DA QUARESMA Ano A - 17-02-2008


“O Senhor disse a Abraão: Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar.”

Gen 12, 1


Partir

Há algumas pessoas que nascem com "bicho-carpinteiro" ou leveza de borboleta que nunca "aquecem" o lugar, outras vivem presas a teias do passado endurecidas como as pedras de um cais sem coragem para zarpar. Entre umas e outras estão aquelas que ousam responder ao apelo do futuro e, como Abraão, confiar numa voz que chama mais além. Ponho-me a imaginar: a quantos fez Deus o mesmo apelo que Abraão escutou? Como amadureceu nele esta capacidade de ouvir e a coragem de trocar a certeza pela promessa, o seguro pelo risco? Como foi capaz de vencer as inúmeras vozes, dentro e fora de si, que aconselhavam a prudência e a estabilidade da vida que levava? Já tinha idade para ter juízo! Sim, mas falou mais forte o desejo de, com Sara e a descendência prometida, passar da solidão à comunhão, do "eu" ao "nós", fazer uma casa com o seu nome, ser bênção como Deus lhe prometia.

A novidade não está em Abraão partir (quantos povos sempre se movimentaram por razões de sobrevivência, ainda hoje com tantos dramas de fome e de guerra?): está na confiança naquele que o chama. Mais importante que o longo caminho ou a meta a alcançar, o que é nova é esta descoberta de Deus que caminha entre os homens. E imprime no coração e na vida dos que aprenderam a escutá-l'O esta disponibilidade constante para partir. Todas as tentativas de fazer coincidir a Aliança e o Reino de Deus com construções históricas acabadas revelaram-se desilusões, mas o caminho de Deus com os homens é para realizar, já na história, a justiça, a paz e o amor que o próprio Deus é. Então, saber com quem se vai é mais importante do que qualquer mapa!

Num espantoso conto de Sophia de Mello Breyner Andresen, intitulado "A Viagem", um casal perde-se e procura o caminho certo, percebendo que não pode voltar de novo às encruzilhadas onde escolhera um dos caminhos. É uma viagem "parábola" da nossa vida em que procuramos, tantas vezes, agarrar o que já passou. No final do conto, quando percebe que tudo vai perder, a mulher já sozinha diz: "Do outro lado do abismo está com certeza alguém. / E começou a chamar." Não se pode partir sem aprender a perder.

Com Abraão e no Monte Tabor é Deus quem tem a iniciativa em falar. Aos discípulos convida a deixar Moisés e Elias desaparecerem para que escutem o seu Filho. Estamos disponíveis para partir com Jesus?

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Ambiente: Aluna portuguesa vence prémio da UNESCO com vídeo sobre o planeta


09.02.2008
Fonte: Público

Ver Vídeo [aqui]

Este é o filme com que a jovem portuguesa Diana Carvalho venceu o concurso da UNESCO relativo às celebrações do Ano Internacional do Planeta Terra. Tem 20 anos, é natural de Vila Real, finalista da licenciatura em Comunicação e Multimédia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e quis "ajudar a passar a mensagem de um mundo que pode ser de cor e luz". O prémio será entregue terça-feira em Paris.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Quaresma I

À PROCURA DA PALAVRA
Por P. Vítor Gonçalves

DOMINGO I DA QUARESMA Ano A – 10.2.2008


“Jesus foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto.”
Mt 4, 1


O deserto e a fonte

O deserto não é lugar para os homens habitarem. É lugar de passagem porque nenhuma terra prometida se alcança sem provação, lugar de despojamento porque o acessório fica pelo caminho, lugar de encontro porque na mais profunda nudez redescobrimos quem Deus é e quem somos nós. Há desertos de doença e dor, desertos interiores distantes do olhar, desertos que antecedem uma escolha e um futuro, desertos que teimam em prolongar o que já passou. Não foi para viver no deserto que Deus criou o homem mas não lhe ocultou a sua existência nem nunca o abandonou nele.

O povo bíblico é um grande especialista de deserto. No deserto que é a vida de Abraão e Sara, Deus faz brotar uma descendência incontável; na relação de medo e distância com os deuses, Deus propõe uma aliança de amor; na secura da infidelidade Deus oferece a frescura da sua misericórdia; na aridez da orfandade e do fratricídio Deus vem fazer comunhão dando-se plenamente no Filho. Nos muitos desertos que Israel viveu foi aprendendo que até ele pode ser lugar de intimidade, como é dito ao profeta Oseias quando compara o povo a uma donzela: “É assim que a vou seduzir: ao deserto a conduzirei, para lhe falar ao coração” (Os 2, 16). O deserto não é para se amar mas pode nele descobrir-se o amor, como uma fonte que ali estava escondida.

Há um convite ao essencial em cada início de quaresma quando acompanhamos Jesus ao deserto. Ele é a fonte que vem mergulhar no nosso deserto. Revemos nas suas as nossas escolhas em que criamos desertos tão áridos e difíceis de vencer: o deserto do poder que seca toda a alegria de servir e de amar, o deserto de parecer que atrofia toda a alegria da verdade e da comunhão, o deserto de ter que esmaga toda a alegria de partilhar e de salvar. Quem escolhe um destes desertos acaba por multiplicá-lo à sua volta e recusa a fonte que pode saciar a sua sede. Porque em todo o deserto humano está a fonte que é Jesus.

Por isso o deserto é um lugar de escolhas e bem diz o escritor francês Eric-Emmanuel Schmitt: “Um homem é feito de escolhas e circunstâncias. Ninguém tem poder sobre as circunstâncias, mas cada um tem-no sobre as suas escolhas”. O deserto não é uma escolha; o que fazemos dele e o que fazemos nele, sim! Não é o deserto a conversão mas a descoberta da fonte! Tornámos a Igreja deserto ou podemos nela encontrar a fonte? Multiplicamos os desertos para quem morre de sede ou mergulhamos no deserto de tantas vidas para ajudarmos a encontrar a fonte? Ah, Senhor, que não te cansas de ser fonte a jorrar no coração de cada homem e mulher!

Quaresma - Um apelo à interioridade e à renovação

© Luís Veloso


Nota: Seguem-se a este post descontraído e repleto de humor, outros textos de reflexão sobre a Quaresma - Tempo de preparação para a Maior Festa do Cristianismo - A PÁSCOA.