P. Vítor Gonçalves
“Tiraram-Lhe a roupa
e envolveram-no num manto vermelho.”
Mt 27, 28
Viver no risco
Nunca ninguém nos disse que a vida era fácil. E ainda que a desejássemos não tão difícil como por vezes se nos apresenta, já descobrimos e desenvolvemos capacidades e dons que nunca seriam conhecidos se não precisássemos enfrentar ou ultrapassar um obstáculo. Vivemos a tensão entre a segurança e o risco, entre o conhecido e o desconhecido, entre o "já" e o "ainda não". Por isso, "demasiadas protecções", "vontades feitas imediatamente", "prémios sem conquistas", "muitos sim e poucos não", "dádivas sem responsabilidade", impedem um crescimento plenamente humano. A facilidade de hoje não gera coragem para o risco de amanhã!
A Quaresma tem-nos conduzido para a densidade dramática da Paixão e da Páscoa. Reduzem-se as palavras de Jesus e ganham força os gestos significativos: a ceia, a prisão, os interrogatórios, a condenação, a cruz levada aos ombros e nela crucificado. Creio que a consciência da sua paixão nasce do risco assumido em toda a sua vida: risco de amar o que antes era excluído, de perdoar o que já estava condenado, de salvar o que estava perdido, de alimentar o que a fome dominava, de dar vida aos que já se sentiam mortos. Risco de falar a Deus como Pai e assumir-se Filho, quando os intermediários tinham estatuto próprio, contrato de funcionários e gostavam de mostrar a superioridade em relação ao povo: eram sacerdotes e reis, e profetas (embora a maioria destes não se prendesse a uma instituição identificando-se com os mais pobres). Jesus não aponta seguranças ou privilégios aos discípulos, antes os educa nesta capacidade de enfrentar riscos pela grandeza de uma Boa Nova que renova a vida dos homens. Riscos que valem a pena, não por uma recompensa ou fama imediata, mas porque engrandecem quem os corre, e alargam os limites de uma humanidade tão "escravizada" pelas seguranças.
Como responder à violência que sentimos crescer neste nosso tempo? Como passar da paixão à Páscoa, sem risco? Fechando-nos ainda mais nas seguranças possíveis? Cada um por si, procurando um "castelo" que ninguém penetre? Assim não se vive, morre-se! É preciso correr riscos de proximidade, de valorizar laços e relações, de substituir a "baby-sitter" electrónica da televisão e dos jogos por tempo vivido em comum com actividades criativas, de criar trabalho que realize as pessoas, de educar para um consumo equilibrado que não escravize, de amar mais até ao fim. Parece impossível, não é? Ou dá jeito que pareça porque o difícil mesmo é viver no risco?
2 comentários:
Primeiro parágrafo muito actual. São as dificuldades da vida que muitas vezes nps ajudam a descobrir talentos que pensavamos não ter, encontrar energias que pareceiam esgotadas e nós muitas vezes queremos tirar as "pedrinhas" dos caminhos dos nossos jovens:
A facilidade de hoje não gera coragem para o risco de amanhã!
Plenamente de acordo!
Mais, acho que a sociedade, a família, a escola... não está a preparar as crianças e os jovens para suportar os obstáculos da vida e muito menos lhe porporciona ferramentas para os enfretarem sob a tutela da perseverança, da coragem, do esforço, do trabalho...
O facilitismo e a relativização de dos valores, como os supramencionados entre muitos outros, há-de conduzir-nos ao abismo e de novo à barbárie.
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